No novo ano, há problemas que se mantêm. Mas a vontade de os resolver renova-se, de acordo com Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior. Estivemos à conversa com ele.
Estamos a chegar ao fim de uma década, o que é sempre um marco. Qual é o balanço destes 9 anos ao nível do Ensino Superior em Portugal?
Foi uma década marcada pelo corte abrupto do financiamento e pelo enorme desequilíbrio institucional trazido pelo RJIES. São problemas que contrastam com os resultados positivos no aumento do número de alunos e da produção científica. Na próxima década teremos de corrigir impasses deste passado recente e que constrangem o Ensino Superior.
Estando acima de tudo ligado à representação dos interesses dos docentes, como vê o sindicato a situação dos estudantes do Ensino Superior?
Pessoalmente ainda mantenho a coerência com o meu passado enquanto membro da DG-AAC, sendo que o SNESup tem transmitido preocupação com os estudantes a vários níveis: nas oportunidades de prossecução de uma carreira académica e científica, na estabilidade dos vínculos, nas dinâmicas de representatividade e democracia, na situação económica e no elevado peso dos custos da frequência do ensino superior, entre outros problemas. Estamos aliás a procurar reunir com diversas associações académicas e manter canais de comunicação e trabalho permanentes.
O SNESup acusou sete universidades de fazerem uma contagem ilegal do vencimento de professores universitários que trabalham as mesmas horas que outros docentes dos quadros mas recebem menos. Houve alguma evolução nessa situação?
Não, o processo mantém-se parado na Inspeção Geral de Educação e Ciência, tal como muitos outros. Também não sabemos do resultado da queixa ao Ministério Público que partiu do próprio gabinete do ministro e que estava suportada num parecer da Secretaria Geral de Educação e Ciência e na recomendação do Provedor de Justiça. Esta falta de ação da Justiça no Ensino Superior tem promovido um ambiente degradante, favorecendo uma ideia de impunidade completa, sobretudo nas questões laborais.
Foi eleito presidente do SNESup em 2016. Como tem sido o convívio com o poder político?
Há um nível de influência que revela muito trabalho e respeito mútuo. Conseguimos elevar o debate com uma componente técnica, em que demonstramos a sustentabilidade das nossas propostas. Trabalhamos para consensos amplos, com ganhos para as diversas partes. Temos deputados com grande qualidade, o que torna tudo mais fácil.
Quais são as expetativas para o novo ano relativamente à revisão do estatuto de bolseiro, com o fim das bolsas de pós-doutoramento?
Vamos procurar corrigir erros antigos e restringir as bolsas estritamente ao apoio social à formação. O sistema tem muito músculo, mas pouco osso. O polvo é um animal inteligente, mas queremos caminhar num sistema vertebrado.
E em relação à criação do estatuto de docente do Ensino Superior privado?
O Ensino Superior privado sairá reforçado quando conseguirmos criar esse estatuto. Os números recentes demonstram que o corte de vagas não trouxe melhorias no número de alunos no privado. As deficiências derivadas da desregulação são factuais e visíveis, criando descrédito sobre a própria qualificação. A Economia afirma que não existem mercados sem regulação. Sem fiabilidade no cumprimento dos contratos, não podem existir mercados, mas sim uma anarquia com tendência para a desvalorização.
Num tempo em que se multiplicam ações de protesto sem que se perceba de ontem partem, qual é a sua opinião sobre o estado do sindicalismo em Portugal, na Europa e no mundo?
Os portugueses percebem bem a origem, e a ideia de confusão procura apenas alimentar a ideia de um "capo" totalitário. No caso do SNESup temos vindo a aumentar o número de associados. É certo que Portugal teve 48 anos de estado corporativo fascista. Há situações caricatas como uma bastonária sindicalista, ou o fenómeno em que os jornalistas não designam o Presidente da Associação Sindical de Juízes como sindicalista. As pessoas vêem os sindicatos com desconfiança, porque se tentou colar o sindicalismo a um determinado partido político, ou a vantagens individuais. Há até uma ideia utilitarista do sindicato-DECO, que serve para se ter um advogado e assustar a entidade patronal num benefício próprio e localizado. Mas é justamente pela falta de organização coletiva que se têm vindo a acentuar desigualdades e a promover a desvalorização. Se as pessoas perceberem que juntas são mais fortes, o que significa uma cultura de organização, convergência e compromisso, é possível construir algo de bastante poderoso, com resultados positivos. Há um princípio de Maquiavel que governa grande parte dos nossos dirigentes: mais vale ser temido do que amado. Vencê-lo é bastante simples. Só é preciso perder o medo.