Colocou no mapa uma pequena aldeia ali para os lados de Tomar. Tem juntado, ao longo dos anos, a nata da música portuguesa. Chama-se Bons Sons, decorre de 11 a 14 de agosto, e tem como diretor Luís Ferreira, com quem o Canal Superior esteve à conversa.
Quem é o público do Bons Sons?
Não existe apenas um público BONS SONS mas sim vários públicos.
Esta heterogeneidade e o ecletismo do programa são já duas marcas deste
festival. O BONS SONS recebe um público jovem e urbano, que percorre várias
propostas culturais a nível nacional. Recebe também um público de âmbito
regional que vê neste festival a forma de contactar com os seus artistas. O
festival apela ainda a um público familiar que, pelas garantias de segurança e
de escala humana, adere à nossa programação. Temos ainda um público muito jovem
que vê, em Cem Soldos, o cenário preferido para o seu primeiro festival. Em
relação à música encontramos tanto quem procura as sonoridades mais urbanas
como aqueles que se reveem nas referências mais tradicionais. O BONS SONS é
para todos os que gostam de música e que gostam de viver a genuinidade da
aldeia.
O que mudou nestes 11 anos de festival?
Fora o modelo comunitário da organização e a plataforma
da música portuguesa, podemos dizer que tudo mudou. O código genético e o conceito
do BONS SONS mantêm-se mas toda a forma se tem alterado para responder às
necessidades e expectativas da aldeia, artistas, parceiros e público. Aumentámos
o número de palcos e projetos programados, alterámos o desenho do festival e
fechámos o recinto a partir de 2010. Criámos mais serviços de apoio e
equiparámos o nosso recinto ao dos melhores espaços nacionais. O que não se vê
e poucos sabem é que o BONS SONS é um evento que investe na capacitação. Graças
ao esforço que, por esta via, fizemos nas pessoas da aldeia, o festival tem
podido crescer sustentadamente.
O que vos continua a mover?
Cem Soldos é a razão e os resultados estão à vista. Temos
efeitos práticos nos projetos sociais como "Cem Soldos e a Escola",
ou o "Lar Aldeia". Conseguimos perceber que Cem Soldos está a fixar e
a atrair novas famílias. Também o orgulho dos cem-soldenses está em crescimento
e temos noção de que o saber-fazer que adquiriram neste evento, o estão aplicar
a outros projetos. No fundo é isto, ter provas práticas e palpáveis de que este
é o caminho, é a garantia necessária para não desistirmos.
Alguma vez pensaram abrir o cartaz a bandas
estrangeiras ou mantêm-se fiéis a este formato?
Nem por isso, assumimos que é um festival para o
panorama da música portuguesa. O que pretendemos, isso sim, é abrir o festival
a visitantes estrangeiros. Nesta edição começámos a comunicar
internacionalmente, com o objetivo de abrir o auditório da música portuguesa.
Consideramos que o BONS SONS é o contexto ideal para conhecer a nossa cultura,
para criarmos um show case muito representativo e com isso
atrair as pessoas certas, que podem dar garantias de internacionalização aos
projetos programados. Sem sairmos de Portugal, podemos ajudar a comunicar a
música portuguesa lá fora.
Durante o festival, o que acontece aos 1.000 habitantes
de Cem Soldos?
Acontecem duas coisas: primeiro, o número de habitantes
duplica. Os cem-soldenses espalhados pelo mundo regressam e reforçam a
comunidade. O BONS SONS é um momento de encontro para os cem-soldenses. Depois
- o segundo acontecimento - é durante o festival, esta comunidade alargada está
envolvida no trabalho do festival e no seu contributo para que tudo corra bem.
Nós, "operários da cultura", como geralmente nos chamam, trabalhamos
todos durante o festival. É a população de Cem Soldos que comunica, produz e
constrói o BONS SONS. Durante o festival existem centenas de pessoas a
trabalhar nos vários serviços de restauração, de acolhimento, de apoio à
programação, na parte financeira, nos estacionamentos, nas cozinhas, no
campismo, nas bilheteiras, entre um sem número de outras atividades.
É fácil organizar um festival de música em Portugal?
Porquê?
Não sei como é organizar um festival no resto do mundo.
Não sei se tem a ver com ser em Portugal ou não, mas não é fácil. O BONS SONS é
um projeto arriscado e é esse risco que o torna mais desafiante, mas também
muito pesado. O festival sobrevive com as suas receitas e, como as pessoas não
compram os seus bilhetes com grande antecedência, vivemos sempre numa grande
incógnita. Outra dificuldade é criar o recinto que cerca a aldeia para fazer
acontecer o BONS SONS. Uma vez que tentamos minimizar este constrangimento para
que a vida dos habitantes decorra ao máximo na sua inabalável continuidade, só quase
de véspera é que instalamos esta cidade dentro da aldeia. Apesar de estarmos
entre os 15 festivais mais populosos de Portugal e de termos uma comunicação
forte, ainda não conseguimos ter grandes apoios que nos ajudem a minimizar o
risco. O que torna o BONS SONS especial é também o que o torna mais
difícil. Contudo, ainda acreditamos que o esforço compensa e que estas
dificuldades são também a garantia da nossa independência.
Foto de Cem Soldos: Carlos Manuel Martins
Foto de Luís Ferreira: Pedro Sadio