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26.SET.18 - 10:08

Otelo, o migrante

É a primeira produção própria do Teatro Nacional São João para 2018/19. A obra de Shakespeare é de 1604. Os temas que retrata podem bem ser de 2018. Em cena no TNSJ de 28 de setembro a 13 de outubro.

Estamos em Veneza, no século XVII, embora os figurinos algo anacrónicos possam confundir-nos. Mas é neste espaço e neste tempo que a personagem Otelo (des)acontece, numa das mais comoventes tragédias de William Shakespeare.

O encenador Nuno Carinhas, com a assistência de Sara Barros Leitão, apresenta a primeira produção própria do TNSJ na temporada 2018/2019 e trabalha, pela segunda vez, – depois de Macbeth (2017) – uma obra do mestre britânico.


O enredo pode ser sintetizado, como o fez Camilo Castelo Branco, numa trivialidade trágica: “Um homem casado, levado pela calúnia à certeza de que é traído, mata a mulher. Depois, a evidência crava-lhe na alma a certeza de que matou uma inocente, e suicida-se”. No entanto, como amiúde acontece nas obras de Shakespeare, a superfície esconde evidências que nem todos os olhos veem.

Otelo é um general mouro. A sua condição de estrangeiro é regularmente lembrada pelas outras personagens, que o tratam assim mesmo, por “Mouro”. Comete a ousadia de casar-se, em segredo, com Desdémona, a filha de um senador, despertando a ira deste, seja pelo secretismo, seja pela condição do noivo. O protagonista tem em Iago um inimigo sem escrúpulos, que manda fazer e nunca suja as mãos. É ele quem vai levar Otelo a matar a mulher, convencido de ter sido traído por esta que está, afinal, inocente.

Otelo é um migrante, cujo caminho é o da dúvida, da mágoa, em direção a um abismo inevitável, criado pelas suas próprias mãos (ou pelos olhos, tão importantes na malha simbólica da peça). É inicialmente assombrado pelo medo de não ser amado por ser “velho”, por não ter “modos de conversa”, por ser “estrangeiro”. Depois, é o arrependimento que o corrói. 

E Desdémona, será ela uma feminista do século XVII? A sua desgraça começa no momento em que decide casar-se com um homem de outra raça e estatuto, numa clara atitude de desafio aos costumes instituídos. O tema da condição feminina é um dos retratos da obra, talvez o principal, como defende Daniel Jonas, responsável pela tradução. “As três mulheres, Desdémona, Emília e Bianca, sofrem, às mãos das três principais personagens masculinas com que emparceiram, um ciclo de maus tratos, físicos e psicológicos”.

Obra moderna, com algumas das mais belas deixas de Shakespeare, Otelo estará em cena de 28 de setembro a 13 de outubro, no Teatro Nacional São João, no Porto.


Fotografia: João Tuna

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