É a primeira produção própria do Teatro Nacional São João para 2018/19. A obra de Shakespeare é de 1604. Os temas que retrata podem bem ser de 2018. Em cena no TNSJ de 28 de setembro a 13 de outubro.
Estamos em Veneza, no século XVII, embora os figurinos algo
anacrónicos possam confundir-nos. Mas é neste espaço e neste tempo que a
personagem Otelo (des)acontece,
numa das mais comoventes tragédias de William Shakespeare.
O encenador Nuno Carinhas, com a assistência de Sara Barros
Leitão, apresenta a primeira produção própria do TNSJ na temporada 2018/2019 e
trabalha, pela segunda vez, – depois de Macbeth
(2017) – uma obra do mestre britânico.
O enredo pode ser sintetizado, como o fez Camilo Castelo
Branco, numa trivialidade trágica: “Um homem casado, levado pela calúnia à
certeza de que é traído, mata a mulher. Depois, a evidência crava-lhe na alma a
certeza de que matou uma inocente, e suicida-se”. No entanto, como amiúde
acontece nas obras de Shakespeare, a superfície esconde evidências que nem
todos os olhos veem.
Otelo é um general mouro. A sua condição de estrangeiro é
regularmente lembrada pelas outras personagens, que o tratam assim mesmo, por
“Mouro”. Comete a ousadia de casar-se, em segredo, com Desdémona, a filha de um
senador, despertando a ira deste, seja pelo secretismo, seja pela condição do
noivo. O protagonista tem em Iago um inimigo sem escrúpulos, que manda fazer e
nunca suja as mãos. É ele quem vai levar Otelo a matar a mulher, convencido de
ter sido traído por esta que está, afinal, inocente.
Otelo é um migrante, cujo caminho é o da dúvida, da mágoa,
em direção a um abismo inevitável, criado pelas suas próprias mãos (ou pelos
olhos, tão importantes na malha simbólica da peça). É inicialmente assombrado
pelo medo de não ser amado por ser “velho”, por não ter “modos de conversa”,
por ser “estrangeiro”. Depois, é o arrependimento que o corrói.
E Desdémona, será ela uma feminista do século XVII? A sua
desgraça começa no momento em que decide casar-se com um homem de outra raça e
estatuto, numa clara atitude de desafio aos costumes instituídos. O tema da
condição feminina é um dos retratos da obra, talvez o principal, como defende
Daniel Jonas, responsável pela tradução. “As três mulheres, Desdémona, Emília e
Bianca, sofrem, às mãos das três principais personagens masculinas com que
emparceiram, um ciclo de maus tratos, físicos e psicológicos”.
Obra moderna, com algumas das mais belas deixas de
Shakespeare, Otelo estará em cena de 28 de setembro a 13 de outubro, no Teatro
Nacional São João, no Porto.
Fotografia: João Tuna