Velocidade de Escape, uma peça simples e complexa, sobre como nos libertarmos do passado para enfrentarmos o futuro. De 16 a 18 de março, no Teatro Carlos Alberto, no Porto.
Três personagens em palco. Ou melhor, numa parte bem delineada do
palco, uma espécie de carpete branca, um quadrado perfeito no chão. É assim que
começa e é assim que se desenrola o espetáculo.
Pedro – encarnado pelo homónimo Pedro Carreira – é um
quarentão que aparentemente se “libertou” do passado e de todas as
responsabilidades, afetivas e efetivas, de uma vida demasiado complicada. Hoje
em dia, vive num mundo “leve” e “limpo”. Tem dois convidados em casa: Ana – Mafalda
Banquart – e Bruno – Tiago Araújo – cuja presença resulta de uma seleção feita
por uma espécie de “algoritmo”. São convidados de Pedro mas não se conhecem.
Estão ali para “passar tempo juntos”, naquele cenário a preto e branco,
sinónimo do minimalismo zen das suas vidas.
A contrastar com esta monotonia de tons, há, ao fundo, uma parede
que exibe os mais variados cenários, adequando-se convenientemente ao ambiente,
passando do aconchego de uma lareira a imagens psicadélicas acompanhadas por
playlists pré-definidas. Refira-se que estas playlists foram pesquisadas na
internet, ao longo do processo de criação da peça, e correspondem às mais
procuradas em cada “mood” procurado.
Tudo perfeito. Na paz do Senhor, como diriam os crentes. O ambiente
“tá-se bem” quase robótico é quebrado pela descoberta de um objeto incómodo.
Uma simples caixa de cartão que fica mal em palco, destoa, perturbando Pedro.
Aquela caixa contém objetos do passado e afinal o mundo “escapista” – palavra usada
pelos autores – em que vive não é assim tão perfeito. O que fazer? Arranjar um
canto onde caibam essas inconveniências ou deitar fora a caixa e com ela a vida
imperfeita de outrora? E afinal, qual é a função de Bruno e Ana? Vieram para “estar”
ou para ajudar a resolver um “problema”, palavra que não cabe nesta realidade?
Velocidade de Escape é uma criação do coletivo Visões Úteis,
escrita e encenada por Ana Vitorino, Carlos Costa e João Martins. Complementa
um outro espetáculo, Teoria 5 S. Enquanto este se referia a um “arquivo
problema”, que “não se deixa projetar para o futuro”, Velocidade de Escape
coloca a questão: o que fazer com o arquivo no futuro? Em palco está o
representante de uma geração que teve de se “libertar” dos velhos costumes,
Pedro, o anfitrião, e dois convidados que não entendem essa libertação porque
sempre viveram na simplicidade aparente do “mundo-escape”.
E atenção que isto não é ficção científica. Segundo Ana
Vitorino, “isto não é o futuro, nem sequer um outro mundo”. Isto é o “presente
exagerado”.
Em cena a partir de hoje, 16 de março, e até domingo, dia
18, no Teatro Carlos Alberto, no Porto.
Fotografias de João Tuna